Américo Pereira
«Solidão e
tragédia. A irrelação inter-humana como lugar próprio da
tragédia»
No respeito
pelo tema do painel a que pertence a comunicação, procura-se
mostrar fundamentadamente que o lugar próprio da condição trágica,
real ou possível, de certos protagonistas presentes na Obra de
Vergílio Ferreira nasce de um fundo onto-político, isto é, de
relação entre os seres humanos, em que esta relação não consegue
superar a condição ontológica de inultrapassável solidão, o que
obriga a que necessariamente toda a vida de cada um destes
protagonistas seja uma luta agónica, que procura incessantemente
romper com uma limitação ontológica impossível de ser vencida.
Toda a posição filosófica fundamental do Autor tem aqui a sua
origem.
António
Braz Teixeira
«A Reflexão estética de Vergílio Ferreira»
A comunicação começa por considerar a definição de Arte por contraposição à Filosofia, inquirindo do sentido que Vergílio Ferreira atribuía à reflexão filosófica, para se deter, depois, no modo como o pensador entendia a Estética e o sentimento estético, passando, em seguida, a analisar os traços fundamentais da sua Estética metafísica, a partir da noção matricial de mundo original.
«A Reflexão estética de Vergílio Ferreira»
A comunicação começa por considerar a definição de Arte por contraposição à Filosofia, inquirindo do sentido que Vergílio Ferreira atribuía à reflexão filosófica, para se deter, depois, no modo como o pensador entendia a Estética e o sentimento estético, passando, em seguida, a analisar os traços fundamentais da sua Estética metafísica, a partir da noção matricial de mundo original.
Bruno
Béu de Carvalho
«A
imanifestável decepção do conceito: silêncio e apofatismo
interrogativo em Vergílio Ferreira»
Afirmando
uma imanência e circularidade inevidentes, e afinal frustres,
entre qualquer actividade perguntativa e a sua estabilização e
fixação discursiva e cognitiva — a resposta —, Vergílio
Ferreira amplia maximamente a extensão
referencial de
tal actividade, no mesmo passo distinguindo a interrogatividade como
excedente de todo o lógico-discursivo, na referenciação
e de-limitação que
este sempre produz e implica degenerada: não apenas se respondida,
mas já se perguntada,
a interrogação não será. Assim radicalmente pensada, desenha a
interrogatividade na obra vergiliana um roteiro inusitado,
afinal deceito de
qualquer resposta ou pergunta, de qualquer ídolo ou mito, sagrada
por ateofania,
ou ‘aparição da morte’ de Deus. Revelando-se inicialmente,
àquele que interroga, o excesso inobjectável da sua abertura o
limiar mesmo da abertura metafísica do eu, vida aparicionalmente
necessária, absoluta e eterna, radicará enfim a interrogatividade,
e nela o mistério de tudo, na condição impossível do homem, pela
morte de Deus possibilitada, e infinitamente potenciada: a
de ser Deus eternamente; mas Deus que para sempre morrerá.
Da interrogação somos enfim conduzidos ao sentido apofático do seu
pensamento: aí chegados, se se mostra encontrar na
interrogatividade o lugar de origem do seu apofatismo, a este
encontramo-lo circularmente predicável, num seu modo singular — e
vergiliano—, como um apofatismo
interrogativo.
Enfim, “reconduzido” o divino ao humano, apresentam-se-nos a obra
e a filosofia vergiliana como projecto de recondução de uma
teologia negativa a uma antropologia negativa, também mística
da interrogação.
Cassiano
Reimão
«Ética
e Liberdade – De Vergílio Ferreira a Sartre»
“(…)
falar do homem como tema fundamental do Existencialismo (como da
Fenomenologia) é pôr em relevo o que centra tudo quanto dele
dissemos ou dissermos – precisamente o problema da liberdade. Este
problema, porém, é a questão fundamental de toda a obra de
Sartre”. (Vergílio Ferreira, Da
Fenomenologia a Sartre, in O
existencialismo é um Humanismo, Editorial
Presença, Lisboa, 1978, p. 113).
“(…)
a vasta obra sartriana é praticamente toda ela uma Ética que se
procura. (…). Tal Ética, como é evidente, assenta, antes de mais,
num pressuposto de “liberdade” (Idem, Ibidem, p. 117).
A
liberdade, enquanto matriz radical da constituição da eticidade,
atravessa o pensamento vergiliano e sartriano. Convém, no entanto,
caracterizar o conceito, à luz da fenomenologia: a liberdade é
constitutiva da consciência transcendental. O homem, na verdade, é
o ser que tem a propriedade de se determinar a si mesmo a não ser o
ser-em-si. Facto que define a sua trancendência: a consciência não
é senão opondo-se. “A liberdade (…) não é uma qualidade que
se acrescente às qualidades que já possuía como homem: a liberdade
é o que precisamente me estrutura como homem” (Da
Fenomenologia a Sartre,
p. 118). A consciência é liberdade porque é capaz de sair das suas
condições irreflexivas. Segundo Sartre, a liberdade e o nada
confundem-se no seu ser. Pela liberdade humana o nada aparece no
mundo; por sua vez, o nada condiciona esta possibilidade de ser
livre: “não há diferença entre o ser do homem e o
seu`ser-livre´”.
Mas
a pergunta acerca do que é a liberdade não tem sentido, para
Sartre, na medida em que esta pergunta traria consigo um perguntar
acerca da essência da liberdade e esta é sem fundamento; contudo,
apesar de ser o fundamento de todas as essências, a liberdade é a
única fonte dos valores. A partir daqui, Sartre é orientado por uma
exigência ética que o anima e que consiste em fundar, para si mesmo
e para os outros, o exercício da liberdade; a sua obra é “uma
ética que se procura, mas que nunca se concretiza”. Por isso, a
liberdade em situação, constantemente inacabada, considerada como
fim em si mesma e na relação com os outros, é, para Sartre, a
única saída ética para a ontologia. Mas a ética autêntica é uma
angustiante interrogação cravada no coração dos homens e não uma
série de prescrições abstractas. Esta interrogação definiu a
génese do pensamento ético sartriano: da moral do dever à moral do
apelo, passando pela conversão à autenticidade, da ética
dialéctica à moral do Nós.
Vergílio
Ferreira entendeu bem este percurso sartriano ao afirmar que, face a
outras correntes de opinião, Sartre “escolheu precisamente os
homens” (Ibidem,
p.183)
e que “a verdade de uma Ética oferece-se-nos iniludível no
próprio acto de nos afirmarmos moralmente em cada situação
concreta” (Ibidem,
p.
197). Afirmando que cada época tem que “reinventar um mundo humano
habitável” (Ibidem,
p. 200) e perguntando se cada época tem “os homens de que precisa”
(Ibidem,
p. 200), Vergílio Ferreira não deixa de reconhecer que Sartre, fiel
a “dizer a Verdade” (Ibidem,
p. 184), respondeu às necessidades e aos sinais do seu tempo. Por
isso, Vergílio o admira
e
respeita
(Cf.,Ibidem,p.
201), apesar de não sentir como sua “a doutrina sartriana”
(Ibidem,p.200).
Eunice
Cabral
«O
Amor como entidade impossível em Estrela
Polar de
Vergílio Ferreira»
Estrela
Polar formula
narrativa e discursivamente uma pergunta: “como aceder ao outro no
amor?”. Roçando a desumanidade, o amor está impregnado de um
espírito indizível, respondendo ao apelo humano pelo silêncio
enigmático. De facto, cada ser humano situa-se dentro de si mesmo e
é aí que apreende a realidade. Não é de outrem para si mesmo.
Assim sendo, o amor, sendo uma transposição entre o si e o outro (e
vice-versa), torna-se impossível: o eu não pode ser pelo outro.
Ainda, na sua aparição efémera, o amor gasta-se, destruindo-se
porque se constitui num além de si próprio e também do outro. No
entanto, como outras das entidades interpeladas neste romance (a
realidade, a verdade), o amor é representado como excessivo.
Fernanda
Irene Fonseca
«Tempo e
narração em Vergílio Ferreira: questionação filosófica e
realização ficcional»
A
questionação poético-filosófica sobre o Tempo ocupa um lugar
fundamental na criação ficcional de Vergílio Ferreira. Temática
existencial e técnica narrativa fundem-se, nos seus romances, numa
indagação sobre o Tempo enquadrada numa ampla reflexão
fenomenológico-hermenêutica sobre o Homem e a Linguagem. A
densidade desta reflexão é induzida e potenciada pela vivência
inquietante do romancista que, ao mesmo tempo que se interroga sobre
a viabilidade da narração e do romance, não desiste de
experimentar novas formas de narrar, isto é, de criar o Tempo na e
pela Linguagem.
A
análise de Promessa,
romance inédito escrito em 1947 e editado recentemente, permite
captar o aparecimento precoce, na ficção vergiliana, da presença
implícita de uma reflexão sobre o Tempo subjacente à
experimentação narrativa. Algo que já anuncia a explicitação
fulgurante dessa problemática que vai eclodir em Aparição
(1959)
com uma força de irradiação que se repercute nos romances
posteriores e atinge a sua máxima depuração poético-filosófica
em Para
Sempre (1983).
Florinda
Martins
«Estrela
Polar:
sementes de o
fenómeno erótico»
Se
a fenomenologia antecipou a impossibilidade do possível – a morte
-, Estrela
Polar interroga
no sentido da impossibilidade do impossível - a eternidade.
Debatendo-se por entre a ausência de amor - na busca do amante - e a
dúvida do que nessa busca encontra – fidelidade -, Vergílio
Ferreira vai deixando sementes de eternidade no fenómeno erótico.
Veremos como é que Vergílio Ferreira antecipa alguns dos temas da
Fenomenologia de Michel Henry e de Jean-Luc Marion.
Helder
Godinho
«
A Diferença de uma letra nos nomes das gémeas de Estrela
Polar»
A
diferença de apenas uma letra nos nomes de Aida e Alda, que Aida faz
notar a Adalberto quando lhe confessa que não é Alda, mostra que
essa é a única diferença entre as gémeas de Estrela
Polar,
tão iguais que Adalberto nem sabia, afinal, com qual estava casado.
É o tema, importante na obra de Vergílio Ferreira, da equivalência
das mulheres e das formas culturais (o amor e o saber são a mesma
coisa, afirmou ele) como manifestação de uma Presença ausente e de
uma Verdade assimptótica, no percurso para as quais todas as
verdades e todas as faces se equivalem na sua provisoriedade.
Isabel
Cristina Rodrigues
«A
Câmara Clara: Vergílio Ferreira e a arte da imagem»
A presença
da imagem visual (sobretudo a da fotografia e a da pintura) em
Vergílio Ferreira parece assumir três modalidades distintas, embora
eventualmente complementares, no sentido em que não se excluem
reciprocamente: o estabelecimento de certos laços
semântico-estruturais entre a narrativa do escritor e as imagens de
alguns quadros (e de alguns pintores) da história da pintura
ocidental; o estatuto eminentemente genético da imagem (sobretudo da
imagem fotográfica) no processo de construção do texto romanesco
e, por último, a composição fotográfica de imagens visuais
através da atividade imobilizadora da palavra. Assim, esta
comunicação procurará dilucidar os processos de textualização
literária da imagem visual no romance vergiliano, sublinhando, em
simultâneo, o papel fundamental desempenhado pela linguagem da
fotografia na discursivização romanesca da matéria diegética.
Isabel
Soler
«Assédios
à identidade esquiva: ler hoje Vergílio Ferreira»
A
consagração de Vergílio Ferreira como romancista desde há muitos
anos possivelmente tem sido capaz de ocasionar um efeito indesejado
em relação com a sua produção narrativa e literária mais
recente. Esta comunicação pretende sublinhar o valor da última
narrativa vergiliana ao tempo que acentuar a sua força criativa para
além do romance. Provavelmente, a sua vigência como autor atual
encontra-se fundada nem tanto na sua narrativa de matriz existencial
e realista como na construção de um artefacto romanesco de estirpe
lírica e autofictícia, sem calar os componentes autobiográficos,
mas sem também não os exibir impudicamente. Daí que grande parte
de esta vigência deveria residir também na frescura e perspicácia
da obra diarística vergiliana, e inclusivamente no seu ensaio, como
se através dessas páginas o escritor estivesse ligado de maneira
in-dissimulada e directa com as raízes morais do presente: o
desvalimento, a fragilidade do bem, o peso da memória e da dor, a
ocultação ou a mentira como formas de sobrevivência.
Jorge
Maximino
«Linguagem,
Experiência e Tempo na obra narrativa de Vergílio Ferreira»
A
experiência da linguagem constitui uma questão central na obra
narrativa de Vergílio Ferreira e, colocada esta premissa do ponto de
vista fenomenológico e da pragmática, questionamo-nos sobre o
estatuto dos personagens e sobre a forma como se integra a noção de
tempo na construção dos universos de ficção e no conceito de
romance deste autor. Partindo deste questionamento, que implica uma
abordagem que solicita um vasto campo teórico que extravasa o
estrito domínio literário, procuraremos esboçar algumas propostas
concretas de leitura, através de elementos de análise,
especialmente em Alegria
Breve, Estrela Polar e Manhã Submersa.
José
Pedro Cabrera
«Patologia
da Liberdade – Anders (Stern), Sartre e Vergílio Ferreira»
Nesta
comunicação, procuraremos mostrar, a partir de textos de Günther
Stern (que mais tarde viria a adotar o pseudónimo Günther Anders),
Jean-Paul Sartre e Vergílio Ferreira, que o humano é
constitutivamente uma interrogação e como a liberdade é uma
formulação dessa interrogação constitutiva.
Lídia
Jorge
«Vergílio
Ferreira, uma invocação ao seu corpo – o ficcionista habitado
pelo filósofo»
No panorama da
ficção portuguesa, a obra de Vergílio Ferreira ocupa um lugar
único, sem antecedente nem epígonos reconhecíveis. Artista e
criador poderoso, tocado pela inquietação pascaliana em face da
existência, que transferiu para toda a sua escrita de forma muito
particular, Vergílio Ferreira foi também um intérprete arguto da
mudança dos tempos, e um teórico no que se refere ao papel da Arte.
Em relação
ao lugar que a ficção veio a ocupar no mundo contemporâneo,
Vergílio teve iluminações fulgurantes. Sobre o papel do romance,
que viveu de forma particular, farei a invocação de algumas das
suas convicções e pressentimentos cuja pertinência continua a ser
total.
Manuel Cândido
Pimentel
«O
enigma da transcendência do «eu» em Vergílio Ferreira»
O
tema da transcendência do «eu» é aflorado e debatido no texto «Da
Fenomenologia a Sartre», que precede, como prefácio, a tradução
portuguesa de O Existencialismo é um
Humanismo, de Jean-Paul Sartre.
Vergílio Ferreira, com notável perspicácia, reflete sobre algumas
equívocas perspetivas de Sartre na abordagem que este faz daquele
tema, contrastando-as com a sua específica forma de ver,
nomeadamente aquela que diz respeito ao «eu» como presença
e aparição,
noções fundamentais do pensar
filosófico de Vergílio, na esteira do romance Aparição
e do estudo que dedica ao
existencialismo sartriano.»
Manuel
Ferreira Patrício
«Vergílio
Ferreira: em busca do sentido que faz ou não faz o Existente e a
vida humana»
É
longa a vida, é longa a obra, de Vergílio Ferreira. Ambas
longas,complexas, ricas, profundas. Vida e obra de empenhada,
angustiada pesquisa, de procura de significado e de sentido.
Explicitamente.
Vergílio
Ferreira inscreve-se no círculo dos escritores portugueses do século
XX aos quais é apropriado apor o qualificativo de metafísicos. Ou,
se preferirmos um qualificativo, menos polémico, de filosóficos.
Esse círculo é, ainda assim, bastante expressivo e extenso: Raul
Brandão, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa, Almada Negreiros,
José Régio. Nesse círculo se inscrevem também André Malraux,
Albert Camus, Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty.
É um
escritor inteiramente fiel ao mandato da literatura. A sua obra
literária é literária. Mas também é um escritor-filósofo ou,
porventura mais rigorosamente me exprimindo, um escritor-pensador.
Pensa o Mundo e a Vida na sua totalidade e nos seus recessos mais
esconsos e íntimos. Confronta-se com o que no Mundo é o Cosmos, a
Matéria inerte, a Matéria viva, a Consciência, o Espírito, (não
temamos dizê-lo) Deus. Confronta-se com a Arte, a Religião, a
Filosofia, a Sociedade, a Política, a Técnica, a Tecnologia, a
Economia, a Cultura sob todas as suas formas.
A
sua obra, realização e expressão da sua vida (vida-existência, é
um monumento candente, ígneo, de beleza e de rigor. Procurar
captá-la na sua unidade é cavalgar o eixo que a faz mover: tal como
o Raul Brandão de Húmus,
esse eixo é o do sentido do que há e deste haver fascinante e
tremendo que é o Homem e a sua Consciência, com o Deus que se nega
sempre a afirmar-se na linha do horizonte. Como Unamuno, Vergílio
Ferreira é um intelectual, um clerc,
um cavaleiro solitário, do sentido trágico da vida. Como o foi
Sartre. Como o foi Camus. Como o foi o seu sempre amado André
Malraux. Pode não ter encontrado o sentido que procurou, mas essa
procura é ela mesma uma afirmação desse sentido, pois ela mesma o
pressupôs e gerou.
Maria
Celeste Natário
«Luz
e Solidão em Estrela
Polar»
“No
limiar da cidade, uma mata solene, silenciosa de velhas árvores,
dourada naquele dia ao último sol de Inverno.”
Vergílio
Ferreira situado no “limiar” do espaço entre a cidade e a mata.
Homens acidentais, efémeros, são aí espectadores do tempo que
passa. Esse tempo dinâmico e estático que funciona como uma
“escadaria exterior” de onde o eu se descobre como um tu.
O “sol de
Outono” bate na “rua do Inverno” e a luz é dourada. Há um
valor material desta luz que se opõe ao Inverno e à noite que se
aproximam. A possibilidade de dizer tu é essa luz.
A aventura do
eu que se busca na fuga de si próprio descobrindo-se entre si e o tu
e a sua “radical diferença interior”, na procura de uma
comunhão. O último sol, porém, é, numa espécie de solidão
ontológica, o tempo em que o eu se descobre só, apesar do tu. No
labirinto da existência, a solidão metafísica e sua superação é
ainda um desafio. No “pedaço de céu que lhe coube” (a
Adalberto, a personagem central), a luz de Estrela Polar é o desafio
que fica. Por isso ela é a Estrela Polar.
Perante o
mistério do eu que existe, a superação pela arte que pretende ser
a escrita, pois, por ela, Virgílio Ferreira recupera/ concilia-se
com o passado, a memória, a dor e a solidão. A solenidade
“silenciosa de velhas árvores”.
Maria de Lourdes
Sirgado Ganho
A
reflexão acerca do universo existencial de Estrela Polar
centra-se, nos sentimentos, nas noções de absurdo, solidão,
angústia, desespero, situação-limite. De facto, o absurdo da
existência e dos existentes emerge como dominante: entre o desejo do
eu à plenitude e o concreto do existir um desacordo permanece, não
obstante os raros momentos de coincidência, de união, que
possibilitam pensar o absoluto. Esta é, sem dúvida, a atmosfera em
que o romance se desenvolve, problematizando as grandes questões do
universo existencial (morte, vida; solidão, desejo de comunicação;
enclausuramento, liberdade; fracasso, realização de si; angústia e
interrogar permanente). Quem sou eu? Quem são os outros? Haverá
alguma forma de acesso ao Absoluto? Esse é o desafio de Estrela
Polar, fulgurante, mas evanescente.
Mariana
Cascais
«Da
Aparição à Revelação»
Vergílio Ferreira chegou a Évora
num dia igual a tantos outros. Professor de Liceu, a sua afirmação
viria de uma capacidade invulgar de se afirmar como representante de
uma elite intelectual que a cidade apenas suportava. Agarrou a
espaços uma realidade que acabaria por ver fugir-lhe a essência,
numa antevisão impossível que a morte trágica de Cristina e Sofia
tornam evidente.
Nuno
Júdice
«O
esquema mítico em Aparição
de
Vergílio Ferreira»
Em
Aparição
os
elementos simbólicos organizam-se a partir de arquétipos, e
correspondem a uma estrutura narrativa coerente que tem no seu fundo
o cenário mítico de Évora.
Paula
Pina
«“Aí
é que sim”: Tema e variações»
A
arte não explica (não pode explicar). A arte revela (mas não se
define). Em Vergílio Ferreira, a música ressoa em uníssonas
intertextualidades: estruturas, formas, tempos, sons, palavras,
silêncios, vozes, escutas, ritmos, respirações, fraseados. O que é
escrito, dito, sentido, intuído, interiorizado, ou omitido.
Procedimentos de escrita são escolhas composicionais, descrições e
narrações ressoam, povoadas de música. A música é mais que tema
primordial nos romances. A música é mais que leitmotiv. A música
é, talvez, o “que está tão para lá, que verdadeiramente já não
está. E aí é que sim.” Procuremos então.
Rosa
Maria Goulart
«Vergílio
Ferreira: o romance do fim »
Depois
do luminoso romance que é Para
Sempre,
um dos pontos mais altos da sua obra romanesca, Vergílio Ferreira
ainda escreveu Até
ao Fim,
Em
Nome da Terra,
Na
Tua Face e
Cartas
a Sandra.
Sendo um autor que não se importava de ser definido como «homem de
um só livro», Vergílio seguiu um percurso de grande coerência e
em crescendo na representação poética dos temas que desde sempre o
preocuparam. Tendo em mente opções já bem conhecidas quanto à
estrutura narrativa e a outros recursos utilizados, faremos uma
reflexão sobre o teor dessa poetização do mundo nos últimos
romances, no sentido de inquirir o modo como eles seguem o rumo
traçado ou dele se afastam. Será dada, nesta análise, especial
atenção à ideia de «fim», cedo introduzida na temática do
escritor, mas reforçada na fase final, de que são belos exemplos os
romances Até
ao Fime
Em
Nome da Terra.
Samuel
Dimas
«A questão
de Deus na obra de Vergílio Ferreira»
De
acordo com a obra de Vergílio Ferreira, Invocação
ao meu corpo,
a divindade aparece no âmbito da interrogação primordial do homem
acerca da origem e do destino de si mesmo e acerca do sentido último
do Universo. O anúncio da eternidade dá-se na dimensão originária
de nós e no espaço rarefeito e excessivo do absoluto que nos mora.
A questão de
Deus apresenta-se nas situações-limite que surgem subitamente na
verdade fulgurante e indemonstrável do silêncio e do espanto, pela
evidência da beleza ou da morte e pelo sobressalto que nos emudece
diante das coisas simples e diante do horizonte insondável da
irrealidade. O divino apresenta-se na dimensão misteriosa de nós,
pela simples vibração do aestar sendo, sem donde e porquê na
pura tensão do excesso da totalidade presente.
Por isso, o
verdadeiro Deus de Vergílio Ferreira é sem rosto e sem nome: é
Mistério. Mas um Mistério que não se revela historicamente nas
mediações dos mistérios. Deus é mudo, absolutamente
indiscernível, reduzindo-se à anterioridade de Si próprio, na
memória pura e derradeira de nada.
Vanda de la Salete
«Vergílio Ferreira: “Fusão
Vergílio-Escrita”»
Como
poderá ser articulada de forma explícita esta fusão? Tal como
Vergílio espelhou o seu ser existencialista nas suas obras, levando
o leitor a penetrar no enredo das suas tramas e a reencarnar as
reflexões das suas personagens.
Convido
todos a fazer uma breve digressão reflexiva pela potencialidade e
versatilidade
da sua obra intra e extra-fronteiras...
Vítor Ló
«Vergílio
Ferreira e a Motricidade Humana»
Redigir algo
sobre um escritor português tão presente ainda em todos os meandros
literários, filosóficos, humanistas, entre outros, não se
apresenta como tarefa fácil, mais que ainda, relacionar a obra de
Vergílio Ferreira com a Motricidade Humana, leva-nos a uma
infindável e profunda reflexão. Há sempre algo novo a descobrir,
por isso perguntamos, interrogamos, pois “a pergunta desenvolve-se
na clara horizontalidade; a interrogação na obscura verticalidade”
(IC, 20), em que uma obra, com múltiplas implicações, “suscita a
necessidade de uma abordagem plural” (Fonseca, 1993: 17), pois é
na Linguagem, elo de ligação a suscitar a transversalidade, a inter
e transdisciplinaridade no âmbito das Ciências Humanas.
A
Motricidade Humana (MH) é o corpo em ato, reportando-nos ao
movimento intencional e desiderativo e, como Ciência Humana, reflete
o Homem como ser práxico, carente dos outros, do mundo, da
transcendência. A MH indigita-nos a esse movimento para o outro,
numa busca constante de superar a solidão através da fruição do
outro, como expressão fenomenológica de uma transcendência
assintótica. A MH significa que o ser humano é fundamentalmente
relação com o outro, com o Mundo, com o Absoluto (Sérgio, 1994:
71), ”porque toda a relação com o mundo se funde na
sensibilidade” (Pensar),
desaguando numa procura inquieta do “homem fundamental”.
A
MH no seu campo da ludicidade, sendo coextensiva da própria condição
humana, significa, através do exercício ritualizado e
institucionalizado do Desporto que a veicula e realiza, a estrénua
procura do Mundo que, como se sabe e tantas vezes o repetiu
Merleau-Ponty, forma com o Corpo uma Unidade polar, aspeto, aliás,
aprofundado com a reconhecida perspicácia pelo próprio Vergílio
Ferreira. Sendo humana a atividade desportiva, enquanto exercício
lúdico-agonístico de mútua superação, a transdisciplinaridade
axiomática induz-nos prioritária e essencialmente a uma Ciência
Humana: «Sou homem e nada do que é humano me é alheio» (Karl Marx
gostava de utilizar esta citação de Terêncio). E se algo há que
seja expressão dessa humanidade é precisamente o corpo, que só o é
enquanto corpo-meu, isto é, enquanto modo corpóreo de ser-me,
conforme «invoca» Vergílio Ferreira nesse seu admirável e
inigualável ensaio Invocação
ao meu Corpo.
Sem comentários:
Enviar um comentário