Resumos



Américo Pereira
«Solidão e tragédia. A irrelação inter-humana como lugar próprio da tragédia»
No respeito pelo tema do painel a que pertence a comunicação, procura-se mostrar fundamentadamente que o lugar próprio da condição trágica, real ou possível, de certos protagonistas presentes na Obra de Vergílio Ferreira nasce de um fundo onto-político, isto é, de relação entre os seres humanos, em que esta relação não consegue superar a condição ontológica de inultrapassável solidão, o que obriga a que necessariamente toda a vida de cada um destes protagonistas seja uma luta agónica, que procura incessantemente romper com uma limitação ontológica impossível de ser vencida. Toda a posição filosófica fundamental do Autor tem aqui a sua origem.

António Braz Teixeira 
«A Reflexão estética de Vergílio Ferreira»
A comunicação começa por considerar a definição de Arte por contraposição à Filosofia, inquirindo do sentido que Vergílio Ferreira atribuía à reflexão filosófica, para se deter, depois, no modo como o pensador entendia a Estética e o sentimento estético, passando, em seguida, a analisar os traços fundamentais da sua Estética metafísica, a partir da noção matricial de mundo original.

 Bruno Béu de Carvalho
«A imanifestável decepção do conceito: silêncio e  apofatismo interrogativo em Vergílio Ferreira»
Afirmando uma imanência e circularidade inevidentes, e afinal frustres, entre qualquer actividade perguntativa e a sua estabilização e fixação discursiva e cognitiva — a resposta —, Vergílio Ferreira amplia maximamente a extensão referencial de tal actividade, no mesmo passo distinguindo a interrogatividade como excedente de todo o lógico-discursivo, na referenciação e de-limitação que este sempre produz e implica degenerada: não apenas se respondida, mas já se perguntada, a interrogação não será. Assim radicalmente pensada, desenha a interrogatividade na obra vergiliana um roteiro inusitado, afinal deceito de qualquer resposta ou pergunta, de qualquer ídolo ou mito, sagrada por ateofania, ou ‘aparição da morte’ de Deus. Revelando-se inicialmente, àquele que interroga, o excesso inobjectável da sua abertura o limiar mesmo da abertura metafísica do eu, vida aparicionalmente necessária, absoluta e eterna, radicará enfim a interrogatividade, e nela o mistério de tudo, na condição impossível do homem, pela morte de Deus possibilitada, e infinitamente potenciada: a de ser Deus eternamente; mas Deus que para sempre morrerá. Da interrogação somos enfim conduzidos ao sentido apofático do seu pensamento: aí chegados, se se mostra encontrar na interrogatividade o lugar de origem do seu apofatismo, a este encontramo-lo circularmente predicável, num seu modo singular — e vergiliano—, como um apofatismo interrogativo. Enfim, “reconduzido” o divino ao humano, apresentam-se-nos a obra e a filosofia vergiliana como projecto de recondução de uma teologia negativa a uma antropologia negativa, também mística da interrogação.

 Cassiano Reimão
«Ética e Liberdade – De Vergílio Ferreira a Sartre»
“(…) falar do homem como tema fundamental do Existencialismo (como da Fenomenologia) é pôr em relevo o que centra tudo quanto dele dissemos ou dissermos – precisamente o problema da liberdade. Este problema, porém, é a questão fundamental de toda a obra de Sartre”. (Vergílio Ferreira, Da Fenomenologia a Sartre, in O existencialismo é um Humanismo, Editorial Presença, Lisboa, 1978, p. 113).

“(…) a vasta obra sartriana é praticamente toda ela uma Ética que se procura. (…). Tal Ética, como é evidente, assenta, antes de mais, num pressuposto de “liberdade” (Idem, Ibidem, p. 117).

A liberdade, enquanto matriz radical da constituição da eticidade, atravessa o pensamento vergiliano e sartriano. Convém, no entanto, caracterizar o conceito, à luz da fenomenologia: a liberdade é constitutiva da consciência transcendental. O homem, na verdade, é o ser que tem a propriedade de se determinar a si mesmo a não ser o ser-em-si. Facto que define a sua trancendência: a consciência não é senão opondo-se. “A liberdade (…) não é uma qualidade que se acrescente às qualidades que já possuía como homem: a liberdade é o que precisamente me estrutura como homem” (Da Fenomenologia a Sartre, p. 118). A consciência é liberdade porque é capaz de sair das suas condições irreflexivas. Segundo Sartre, a liberdade e o nada confundem-se no seu ser. Pela liberdade humana o nada aparece no mundo; por sua vez, o nada condiciona esta possibilidade de ser livre: “não há diferença entre o ser do homem e o seu`ser-livre´”.
Mas a pergunta acerca do que é a liberdade não tem sentido, para Sartre, na medida em que esta pergunta traria consigo um perguntar acerca da essência da liberdade e esta é sem fundamento; contudo, apesar de ser o fundamento de todas as essências, a liberdade é a única fonte dos valores. A partir daqui, Sartre é orientado por uma exigência ética que o anima e que consiste em fundar, para si mesmo e para os outros, o exercício da liberdade; a sua obra é “uma ética que se procura, mas que nunca se concretiza”. Por isso, a liberdade em situação, constantemente inacabada, considerada como fim em si mesma e na relação com os outros, é, para Sartre, a única saída ética para a ontologia. Mas a ética autêntica é uma angustiante interrogação cravada no coração dos homens e não uma série de prescrições abstractas. Esta interrogação definiu a génese do pensamento ético sartriano: da moral do dever à moral do apelo, passando pela conversão à autenticidade, da ética dialéctica à moral do Nós.
Vergílio Ferreira entendeu bem este percurso sartriano ao afirmar que, face a outras correntes de opinião, Sartre “escolheu precisamente os homens” (Ibidem, p.183) e que “a verdade de uma Ética oferece-se-nos iniludível no próprio acto de nos afirmarmos moralmente em cada situação concreta” (Ibidem, p. 197). Afirmando que cada época tem que “reinventar um mundo humano habitável” (Ibidem, p. 200) e perguntando se cada época tem “os homens de que precisa” (Ibidem, p. 200), Vergílio Ferreira não deixa de reconhecer que Sartre, fiel a “dizer a Verdade” (Ibidem, p. 184), respondeu às necessidades e aos sinais do seu tempo. Por isso, Vergílio o admira e respeita (Cf.,Ibidem,p. 201), apesar de não sentir como sua “a doutrina sartriana” (Ibidem,p.200).

Eunice Cabral
«O Amor como entidade impossível em Estrela Polar de Vergílio Ferreira»
Estrela Polar formula narrativa e discursivamente uma pergunta: “como aceder ao outro no amor?”. Roçando a desumanidade, o amor está impregnado de um espírito indizível, respondendo ao apelo humano pelo silêncio enigmático. De facto, cada ser humano situa-se dentro de si mesmo e é aí que apreende a realidade. Não é de outrem para si mesmo. Assim sendo, o amor, sendo uma transposição entre o si e o outro (e vice-versa), torna-se impossível: o eu não pode ser pelo outro. Ainda, na sua aparição efémera, o amor gasta-se, destruindo-se porque se constitui num além de si próprio e também do outro. No entanto, como outras das entidades interpeladas neste romance (a realidade, a verdade), o amor é representado como excessivo.

Fernanda Irene Fonseca
«Tempo e narração em Vergílio Ferreira: questionação filosófica e realização ficcional»
A questionação poético-filosófica sobre o Tempo ocupa um lugar fundamental na criação ficcional de Vergílio Ferreira. Temática existencial e técnica narrativa fundem-se, nos seus romances, numa indagação sobre o Tempo enquadrada numa ampla reflexão fenomenológico-hermenêutica sobre o Homem e a Linguagem. A densidade desta reflexão é induzida e potenciada pela vivência inquietante do romancista que, ao mesmo tempo que se interroga sobre a viabilidade da narração e do romance, não desiste de experimentar novas formas de narrar, isto é, de criar o Tempo na e pela Linguagem.
A análise de Promessa, romance inédito escrito em 1947 e editado recentemente, permite captar o aparecimento precoce, na ficção vergiliana, da presença implícita de uma reflexão sobre o Tempo subjacente à experimentação narrativa. Algo que já anuncia a explicitação fulgurante dessa problemática que vai eclodir em Aparição (1959) com uma força de irradiação que se repercute nos romances posteriores e atinge a sua máxima depuração poético-filosófica em Para Sempre (1983).

Florinda Martins
«Estrela Polar: sementes de o fenómeno erótico»
Se a fenomenologia antecipou a impossibilidade do possível – a morte -, Estrela Polar interroga no sentido da impossibilidade do impossível - a eternidade. Debatendo-se por entre a ausência de amor - na busca do amante - e a dúvida do que nessa busca encontra – fidelidade -, Vergílio Ferreira vai deixando sementes de eternidade no fenómeno erótico. Veremos como é que Vergílio Ferreira antecipa alguns dos temas da Fenomenologia de Michel Henry e de Jean-Luc Marion.

Helder Godinho
« A Diferença de uma letra nos nomes das gémeas de Estrela Polar»
A diferença de apenas uma letra nos nomes de Aida e Alda, que Aida faz notar a Adalberto quando lhe confessa que não é Alda, mostra que essa é a única diferença entre as gémeas de Estrela Polar, tão iguais que Adalberto nem sabia, afinal, com qual estava casado. É o tema, importante na obra de Vergílio Ferreira, da equivalência das mulheres e das formas culturais (o amor e o saber são a mesma coisa, afirmou ele) como manifestação de uma Presença ausente e de uma Verdade assimptótica, no percurso para as quais todas as verdades e todas as faces se equivalem na sua provisoriedade.

Isabel Cristina Rodrigues
«A Câmara Clara: Vergílio Ferreira e a arte da imagem»
A presença da imagem visual (sobretudo a da fotografia e a da pintura) em Vergílio Ferreira parece assumir três modalidades distintas, embora eventualmente complementares, no sentido em que não se excluem reciprocamente: o estabelecimento de certos laços semântico-estruturais entre a narrativa do escritor e as imagens de alguns quadros (e de alguns pintores) da história da pintura ocidental; o estatuto eminentemente genético da imagem (sobretudo da imagem fotográfica) no processo de construção do texto romanesco e, por último, a composição fotográfica de imagens visuais através da atividade imobilizadora da palavra. Assim, esta comunicação procurará dilucidar os processos de textualização literária da imagem visual no romance vergiliano, sublinhando, em simultâneo, o papel fundamental desempenhado pela linguagem da fotografia na discursivização romanesca da matéria diegética.

Isabel Soler
«Assédios à identidade esquiva: ler hoje Vergílio Ferreira»
A consagração de Vergílio Ferreira como romancista desde há muitos anos possivelmente tem sido capaz de ocasionar um efeito indesejado em relação com a sua produção narrativa e literária mais recente. Esta comunicação pretende sublinhar o valor da última narrativa vergiliana ao tempo que acentuar a sua força criativa para além do romance. Provavelmente, a sua vigência como autor atual encontra-se fundada nem tanto na sua narrativa de matriz existencial e realista como na construção de um artefacto romanesco de estirpe lírica e autofictícia, sem calar os componentes autobiográficos, mas sem também não os exibir impudicamente. Daí que grande parte de esta vigência deveria residir também na frescura e perspicácia da obra diarística vergiliana, e inclusivamente no seu ensaio, como se através dessas páginas o escritor estivesse ligado de maneira in-dissimulada e directa com as raízes morais do presente: o desvalimento, a fragilidade do bem, o peso da memória e da dor, a ocultação ou a mentira como formas de sobrevivência.

Jorge Maximino
«Linguagem, Experiência e Tempo na obra narrativa de Vergílio Ferreira»
A experiência da linguagem constitui uma questão central na obra narrativa de Vergílio Ferreira e, colocada esta premissa do ponto de vista fenomenológico e da pragmática, questionamo-nos sobre o estatuto dos personagens e sobre a forma como se integra a noção de tempo na construção dos universos de ficção e no conceito de romance deste autor. Partindo deste questionamento, que implica uma abordagem que solicita um vasto campo teórico que extravasa o estrito domínio literário, procuraremos esboçar algumas propostas concretas de leitura, através de elementos de análise, especialmente em Alegria Breve, Estrela Polar e Manhã Submersa.

José Pedro Cabrera
«Patologia da Liberdade – Anders (Stern), Sartre e Vergílio Ferreira»
Nesta comunicação, procuraremos mostrar, a partir de textos de Günther Stern (que mais tarde viria a adotar o pseudónimo Günther Anders), Jean-Paul Sartre e Vergílio Ferreira, que o humano é constitutivamente uma interrogação e como a liberdade é uma formulação dessa interrogação constitutiva.

Lídia Jorge
«Vergílio Ferreira, uma invocação ao seu corpo – o ficcionista habitado pelo filósofo»
No panorama da ficção portuguesa, a obra de Vergílio Ferreira ocupa um lugar único, sem antecedente nem epígonos reconhecíveis. Artista e criador poderoso, tocado pela inquietação pascaliana em face da existência, que transferiu para toda a sua escrita de forma muito particular, Vergílio Ferreira foi também um intérprete arguto da mudança dos tempos, e um teórico no que se refere ao papel da Arte.
Em relação ao lugar que a ficção veio a ocupar no mundo contemporâneo, Vergílio teve iluminações fulgurantes. Sobre o papel do romance, que viveu de forma particular, farei a invocação de algumas das suas convicções e pressentimentos cuja pertinência continua a ser total.

Manuel Cândido Pimentel
«O enigma da transcendência do «eu» em Vergílio Ferreira»
O tema da transcendência do «eu» é aflorado e debatido no texto «Da Fenomenologia a Sartre», que precede, como prefácio, a tradução portuguesa de O Existencialismo é um Humanismo, de Jean-Paul Sartre. Vergílio Ferreira, com notável perspicácia, reflete sobre algumas equívocas perspetivas de Sartre na abordagem que este faz daquele tema, contrastando-as com a sua específica forma de ver, nomeadamente aquela que diz respeito ao «eu» como presença e aparição, noções fundamentais do pensar filosófico de Vergílio, na esteira do romance Aparição e do estudo que dedica ao existencialismo sartriano.»

Manuel Ferreira Patrício
«Vergílio Ferreira: em busca do sentido que faz ou não faz o Existente e a vida humana»
É longa a vida, é longa a obra, de Vergílio Ferreira. Ambas longas,complexas, ricas, profundas. Vida e obra de empenhada, angustiada pesquisa, de procura de significado e de sentido. Explicitamente.
Vergílio Ferreira inscreve-se no círculo dos escritores portugueses do século XX aos quais é apropriado apor o qualificativo de metafísicos. Ou, se preferirmos um qualificativo, menos polémico, de filosóficos. Esse círculo é, ainda assim, bastante expressivo e extenso: Raul Brandão, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa, Almada Negreiros, José Régio. Nesse círculo se inscrevem também André Malraux, Albert Camus, Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty.
É um escritor inteiramente fiel ao mandato da literatura. A sua obra literária é literária. Mas também é um escritor-filósofo ou, porventura mais rigorosamente me exprimindo, um escritor-pensador. Pensa o Mundo e a Vida na sua totalidade e nos seus recessos mais esconsos e íntimos. Confronta-se com o que no Mundo é o Cosmos, a Matéria inerte, a Matéria viva, a Consciência, o Espírito, (não temamos dizê-lo) Deus. Confronta-se com a Arte, a Religião, a Filosofia, a Sociedade, a Política, a Técnica, a Tecnologia, a Economia, a Cultura sob todas as suas formas.
A sua obra, realização e expressão da sua vida (vida-existência, é um monumento candente, ígneo, de beleza e de rigor. Procurar captá-la na sua unidade é cavalgar o eixo que a faz mover: tal como o Raul Brandão de Húmus, esse eixo é o do sentido do que há e deste haver fascinante e tremendo que é o Homem e a sua Consciência, com o Deus que se nega sempre a afirmar-se na linha do horizonte. Como Unamuno, Vergílio Ferreira é um intelectual, um clerc, um cavaleiro solitário, do sentido trágico da vida. Como o foi Sartre. Como o foi Camus. Como o foi o seu sempre amado André Malraux. Pode não ter encontrado o sentido que procurou, mas essa procura é ela mesma uma afirmação desse sentido, pois ela mesma o pressupôs e gerou.

Maria Celeste Natário
«Luz e Solidão em Estrela Polar»
“No limiar da cidade, uma mata solene, silenciosa de velhas árvores, dourada naquele dia ao último sol de Inverno.”
Vergílio Ferreira situado no “limiar” do espaço entre a cidade e a mata. Homens acidentais, efémeros, são aí espectadores do tempo que passa. Esse tempo dinâmico e estático que funciona como uma “escadaria exterior” de onde o eu se descobre como um tu.
O “sol de Outono” bate na “rua do Inverno” e a luz é dourada. Há um valor material desta luz que se opõe ao Inverno e à noite que se aproximam. A possibilidade de dizer tu é essa luz.
A aventura do eu que se busca na fuga de si próprio descobrindo-se entre si e o tu e a sua “radical diferença interior”, na procura de uma comunhão. O último sol, porém, é, numa espécie de solidão ontológica, o tempo em que o eu se descobre só, apesar do tu. No labirinto da existência, a solidão metafísica e sua superação é ainda um desafio. No “pedaço de céu que lhe coube” (a Adalberto, a personagem central), a luz de Estrela Polar é o desafio que fica. Por isso ela é a Estrela Polar.
Perante o mistério do eu que existe, a superação pela arte que pretende ser a escrita, pois, por ela, Virgílio Ferreira recupera/ concilia-se com o passado, a memória, a dor e a solidão. A solenidade “silenciosa de velhas árvores”.

Maria de Lourdes Sirgado Ganho
«O Universo existencial de Estrela Polar»
A reflexão acerca do universo existencial de Estrela Polar centra-se, nos sentimentos, nas noções de absurdo, solidão, angústia, desespero, situação-limite. De facto, o absurdo da existência e dos existentes emerge como dominante: entre o desejo do eu à plenitude e o concreto do existir um desacordo permanece, não obstante os raros momentos de coincidência, de união, que possibilitam pensar o absoluto. Esta é, sem dúvida, a atmosfera em que o romance se desenvolve, problematizando as grandes questões do universo existencial (morte, vida; solidão, desejo de comunicação; enclausuramento, liberdade; fracasso, realização de si; angústia e interrogar permanente). Quem sou eu? Quem são os outros? Haverá alguma forma de acesso ao Absoluto? Esse é o desafio de Estrela Polar, fulgurante, mas evanescente.

Mariana Cascais
«Da Aparição à Revelação»
Vergílio Ferreira chegou a Évora num dia igual a tantos outros. Professor de Liceu, a sua afirmação viria de uma capacidade invulgar de se afirmar como representante de uma elite intelectual que a cidade apenas suportava. Agarrou a espaços uma realidade que acabaria por ver fugir-lhe a essência, numa antevisão impossível que a morte trágica de Cristina e Sofia tornam evidente.

Nuno Júdice
«O esquema mítico em Aparição de Vergílio Ferreira»
Em Aparição os elementos simbólicos organizam-se a partir de arquétipos, e correspondem a uma estrutura narrativa coerente que tem no seu fundo o cenário mítico de Évora.

Paula Pina
«“Aí é que sim”: Tema e variações»
A arte não explica (não pode explicar). A arte revela (mas não se define). Em Vergílio Ferreira, a música ressoa em uníssonas intertextualidades: estruturas, formas, tempos, sons, palavras, silêncios, vozes, escutas, ritmos, respirações, fraseados. O que é escrito, dito, sentido, intuído, interiorizado, ou omitido. Procedimentos de escrita são escolhas composicionais, descrições e narrações ressoam, povoadas de música. A música é mais que tema primordial nos romances. A música é mais que leitmotiv. A música é, talvez, o “que está tão para lá, que verdadeiramente já não está. E aí é que sim.” Procuremos então.

Rosa Maria Goulart
«Vergílio Ferreira: o romance do fim »
Depois do luminoso romance que é Para Sempre, um dos pontos mais altos da sua obra romanesca, Vergílio Ferreira ainda escreveu Até ao Fim, Em Nome da Terra, Na Tua Face e Cartas a Sandra. Sendo um autor que não se importava de ser definido como «homem de um só livro», Vergílio seguiu um percurso de grande coerência e em crescendo na representação poética dos temas que desde sempre o preocuparam. Tendo em mente opções já bem conhecidas quanto à estrutura narrativa e a outros recursos utilizados, faremos uma reflexão sobre o teor dessa poetização do mundo nos últimos romances, no sentido de inquirir o modo como eles seguem o rumo traçado ou dele se afastam. Será dada, nesta análise, especial atenção à ideia de «fim», cedo introduzida na temática do escritor, mas reforçada na fase final, de que são belos exemplos os romances Até ao Fime Em Nome da Terra.

Samuel Dimas
«A questão de Deus na obra de Vergílio Ferreira»
De acordo com a obra de Vergílio Ferreira, Invocação ao meu corpo, a divindade aparece no âmbito da interrogação primordial do homem acerca da origem e do destino de si mesmo e acerca do sentido último do Universo. O anúncio da eternidade dá-se na dimensão originária de nós e no espaço rarefeito e excessivo do absoluto que nos mora. 
A questão de Deus apresenta-se nas situações-limite que surgem subitamente na verdade fulgurante e indemonstrável do silêncio e do espanto, pela evidência da beleza ou da morte e pelo sobressalto que nos emudece diante das coisas simples e diante do horizonte insondável da irrealidade. O divino apresenta-se na dimensão misteriosa de nós, pela simples vibração do aestar sendo, sem donde e porquê na pura tensão do excesso da totalidade presente. 
Por isso, o verdadeiro Deus de Vergílio Ferreira é sem rosto e sem nome: é Mistério. Mas um Mistério que não se revela historicamente nas mediações dos mistérios. Deus é mudo, absolutamente indiscernível, reduzindo-se à anterioridade de Si próprio, na memória pura e derradeira de nada.

Vanda de la Salete
«Vergílio Ferreira: “Fusão Vergílio-Escrita”»
Como poderá ser articulada de forma explícita esta fusão? Tal como Vergílio espelhou o seu ser existencialista nas suas obras, levando o leitor a penetrar no enredo das suas tramas e a reencarnar as reflexões das suas personagens.
Convido todos a fazer uma breve digressão reflexiva pela potencialidade e
versatilidade da sua obra intra e extra-fronteiras...

Vítor Ló
«Vergílio Ferreira e a Motricidade Humana»
Redigir algo sobre um escritor português tão presente ainda em todos os meandros literários, filosóficos, humanistas, entre outros, não se apresenta como tarefa fácil, mais que ainda, relacionar a obra de Vergílio Ferreira com a Motricidade Humana, leva-nos a uma infindável e profunda reflexão. Há sempre algo novo a descobrir, por isso perguntamos, interrogamos, pois “a pergunta desenvolve-se na clara horizontalidade; a interrogação na obscura verticalidade” (IC, 20), em que uma obra, com múltiplas implicações, “suscita a necessidade de uma abordagem plural” (Fonseca, 1993: 17), pois é na Linguagem, elo de ligação a suscitar a transversalidade, a inter e transdisciplinaridade no âmbito das Ciências Humanas.
A Motricidade Humana (MH) é o corpo em ato, reportando-nos ao movimento intencional e desiderativo e, como Ciência Humana, reflete o Homem como ser práxico, carente dos outros, do mundo, da transcendência. A MH indigita-nos a esse movimento para o outro, numa busca constante de superar a solidão através da fruição do outro, como expressão fenomenológica de uma transcendência assintótica. A MH significa que o ser humano é fundamentalmente relação com o outro, com o Mundo, com o Absoluto (Sérgio, 1994: 71), ”porque toda a relação com o mundo se funde na sensibilidade” (Pensar), desaguando numa procura inquieta do “homem fundamental”.
A MH no seu campo da ludicidade, sendo coextensiva da própria condição humana, significa, através do exercício ritualizado e institucionalizado do Desporto que a veicula e realiza, a estrénua procura do Mundo que, como se sabe e tantas vezes o repetiu Merleau-Ponty, forma com o Corpo uma Unidade polar, aspeto, aliás, aprofundado com a reconhecida perspicácia pelo próprio Vergílio Ferreira. Sendo humana a atividade desportiva, enquanto exercício lúdico-agonístico de mútua superação, a transdisciplinaridade axiomática induz-nos prioritária e essencialmente a uma Ciência Humana: «Sou homem e nada do que é humano me é alheio» (Karl Marx gostava de utilizar esta citação de Terêncio). E se algo há que seja expressão dessa humanidade é precisamente o corpo, que só o é enquanto corpo-meu, isto é, enquanto modo corpóreo de ser-me, conforme «invoca» Vergílio Ferreira nesse seu admirável e inigualável ensaio Invocação ao meu Corpo.






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