Se é milagrosa e gratuita a visão (que em Vergílio Ferreira é súbita e abissal aparição) do «eu» por mim próprio, ela é, mais que tudo, única (isto é, una na sua insular inteireza) por ser fenomenologicamente constitutiva da radical inapropriabilidade desse eu que não é propriamente o meu eu, o eu que sou, sem, porém, me ser todo nesse eu que me vejo ser.Daqui o problema, insolúvel em Vergílio, da incomunicabilidade radical desse «eu» insular, problema este que o autor, certamente o mais problematizante do século XX, se não mesmo da história da literatura portuguesa, coloca como elemento estruturador do seu romance Estrela Polar, todo ele forrado pela impossibilidade de real comunicação entre o eu e o tu, como bem o comprova a obsidiante confusão que do outro feminino faz Adalberto, flutuando sempre entre a imagem dúplice e equivalente de Aida e Alda, irmã que ele não consegue pessoalmente identificar.
É, em Vergílio, radical essa solidão a que estamos condenados, mas que o saber cada um da existência de tantos «eus» análogos ao eu que me vejo se mitiga com a aceitação de uma comunidade de destino, sendo que, nesse destino, o que é realmente comum é o de cada um ter solitariamente o seu.
Esta temática vergiliana sabe-se como se irmana, superando-a de algum modo, com a conceção autárcica de uma «transcendência do eu» em Jean-Paul Sartre.
Eis como o é fértil o terreno que se propõe.
José Antunes de Sousa (2012)
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